
A sucessão familiar no agronegócio vai muito além da gestão de uma propriedade. Envolve emoções, rupturas, reconstruções e, muitas vezes, a necessidade de assumir responsabilidades em momentos de dor. Nos últimos anos, cada vez mais mulheres têm ocupado esse espaço, profissionalizando a gestão, fortalecendo vínculos e superando barreiras que, por muito tempo, limitaram sua presença no campo.
É nesse contexto que se dá a trajetória de Cláudia Bezerra, engenheira civil que, após 25 anos na construção civil, encontrou na pecuária uma nova missão de vida. Natural de Barretos (SP) e formada pela Universidade Estadual de Maringá, ela assumiu a fazenda da família em Alto Paraná (PR) depois da morte do pai, em 2018, iniciando um processo de sucessão não planejado e repleto de desafios.
Da engenharia ao campo
Assim como ocorre em muitas propriedades brasileiras, a sucessão familiar de Cláudia veio após uma perda. Sem planejamento prévio, ela e os irmãos precisaram reorganizar a estrutura da família. Um ano após o falecimento do pai, decidiram seguir caminhos distintos, e foi nesse momento que Cláudia deixou a engenharia para assumir sua parte da propriedade rural.
Apesar do cenário desafiador, ela já trazia na bagagem um diferencial: a vivência em um ambiente majoritariamente masculino. “A engenharia me preparou emocionalmente. Gestão, lógica e tomada de decisão sempre fizeram parte do meu dia a dia”, relembra.
A mudança de carreira exigiu capacitação imediata, e foi aí que o sistema sindical ganhou papel fundamental em sua formação. No Sindicato Rural de Nova Esperança (PR), onde faz parte da diretoria, Cláudia encontrou apoio, acolhimento e uma porta de entrada para o universo técnico da pecuária.
Capacitação
Desde 2024, Cláudia integra a diretoria do sindicato, que trabalha com uma chapa mista e iniciativas para ampliar a participação feminina. Com apoio do Sistema Faep/Senar, ela mergulhou em uma rotina de estudos:
- cursos de gestão;
- sucessão familiar;
- oratória e liderança;
- planejamento financeiro;
- uso de drones;
- gestão de pessoas;
- artesanato, jardinagem e agricultura orgânica;
- entre mais de 300 formações disponíveis.
A profissionalização não apenas facilitou sua adaptação, como também impulsionou um movimento maior: a formação da Comissão de Mulheres do Sindicato Rural de Nova Esperança, que começou com apenas seis produtoras e hoje reúne 60 integrantes. Um reflexo claro da força feminina no agro.
A importância dos espaços femininos
Para Cláudia, grupos exclusivamente femininos cumprem uma função essencial: permitir que mulheres expressem dúvidas, fragilidades e inseguranças que muitas vezes não aparecem em reuniões com presença masculina.
“É no feminino que surge a primeira coragem. Depois, essa força se expande para todos os ambientes”, afirma.
No entanto, ela reforça: a participação de homens que apoiam e reconhecem essa evolução também é indispensável para uma sucessão mais equilibrada e saudável.
Gestão da fazenda
Na fazenda Santa Maria, Cláudia atua na administração, gestão de pessoas, financeiro e infraestrutura, área em que seu olhar técnico faz a diferença. Ela cuida de tudo, desde o estado dos bebedouros do gado até reformas estruturais, cercas, curral e planejamento das pastagens.
A propriedade trabalha hoje com cria, seguindo o legado do pai. A família já considera retomar o ciclo completo, mas está em fase de reestruturação antes de avançar para novas etapas.
O apoio do marido, Paulo, tem sido essencial nesse processo. Casados há 35 anos, ele acompanhou o luto, os conflitos e os desafios iniciais da sucessão, ajudando a sustentar a nova fase da família.
Liderança feminina
Buscando mais qualificação, Cláudia participou da Academia de Liderança da Mulher do Agronegócio (Alma), onde concluiu dois módulos: liderança feminina e gestão de pessoas. A formação, feita em rede com outras produtoras do país, ampliou seu conhecimento e reforçou sua segurança para tomada de decisões.
Mais que curso, Cláudia encontrou ali uma rede de apoio: mentoras, colegas e mulheres que inspiram e estendem a mão quando a jornada pesa. Entre as referências dela estão nomes como Carmen Perez e Lisiana Czeczk, coordenadora estadual de mulheres da Faep.
Hoje, a comissão estadual já reúne 105 comissões locais e mais de 4 mil mulheres, consolidando um dos maiores movimentos femininos rurais do Brasil.
Resiliência
O caminho até aqui não foi simples. Além da perda do pai, Cláudia enfrentou conflitos, divergências e mudanças profundas na estrutura familiar. Mas foi justamente da adversidade que nasceu sua força.
“Eu me refiz. E a gente se renova todos os dias”, diz.
Sua história, hoje, inspira outras produtoras que passam pelos mesmos desafios: medo de assumir a propriedade, falta de pertencimento, insegurança diante de um setor técnico e culturalmente masculino.
Cláudia acredita que três pilares sustentam a mulher do agro: sororidade, inteligência emocional e profissionalização. Com esses fundamentos, cada vez mais mulheres têm construído novos caminhos no campo, fortalecendo a gestão, a família e os negócios rurais.